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terça-feira, 15 de novembro de 2011

Um conto de quase amor (ou um sonho impossível de lobos feridos)



Sabia que sua hora estava chegando, sabia que a vida poderia lhe abrir portas, e numa dessas portas, ela apareceu na sua frente. E antes da hora chegar. A princípio tão comum e ordinária, que parecia sem atrativos. Ao longo dos dias, percebeu nela um tesouro escondido, percebeu então uma disposição então adormecida em querer esse tesouro, custe o que custasse.
Queria ela a todo momento, seu mundo entrou em parafuso, sua vida desandou. Deixou de lado alguns projetos, algumas coisas a fazer e passou a tê-la como prioridade, embora não o demonstrasse da maneira mais adequada.  Achou que talvez fosse amor, que não sentia há séculos por nenhuma das quais se aproximou antes, afinal ela era o que ele sonhava em uma mulher: personalidade, vontade de viver e batalhar, caráter.
Mas ela tinha dentro de si também uma amargura alimentada por frustrações: sim, um passado existia e nela se continha como o sangue que corria em suas veias. E esse passado, como sempre, traz consigo uma bagagem pesada, um fardo doido e doído, que machucava-a sempre quando pensava no homem com quem estivesse e a afastava da relações mais duradouras. Sim, ela queria amar, queria dar amor, e acima de tudo, queria ser amada como uma princesa dos contos de fadas que lia à noite pro seu filho, mas o lobo que estava entro dela não permitia. E ele, no momento, estava mais pra ogro do que para príncipe.
Como muitos de nós, sabotou a própria felicidade, pra viver de certa piedade alheia. E assim vivia seus dias, a acreditar em uma história nova que pudesse surgir, mas com um pragmatismo cruel de cortar as coisas, no momento certo de se defender do amor que queria tanto.
Ele, com um passado tão pesado quanto o dela, mas de vida retardatária por anos perdidos em tanta coisa que sonhou e acreditou e se frustrou também, e muito mais perdedor que ela, sabia que era a encarnação do fracasso, talvez ele o mais perdedor dos homens que conhecia, mas nunca perdera a vontade de parecer melhor, buscar o melhor, e vestia uma máscara que o impedia de ser quem era, pois precisava se mostrar forte a tudo e a todos, afinal dependia desse ópio pra viver, outros ao seu redor também, como ela dependia de seus vícios. Ambos tinham uma semelhança, e essa semelhança talvez os repelisse.
Só que ele percebeu algo até então ainda não percebido. Como na matemática, menos com menos dá mais, e sacou que o menos dele somado com o menos dela só poderia se tornar algo positivo, maior e melhor, apesar dos altos e baixos que previa nessa situação, de viver com mais baixos do que altos. Como pra baixo todo santo ajuda, ele um descrente nas religiosidades e nesses mesmos santos, tinha certeza de ser o santo próprio, porque já estava ao rés-do-chão. Se sentia um pé-rapado, inferior, um zero à esquerda por não poder proporcionar a ela o que ela merecia(na verdade, se sentia assim sempre, por isso a máscara).
Sobrava a certeza de nela ter os empurrões que precisava, até porque sabia que no pouco tempo junto com ela, não tinha mostrado ainda o que tinha de melhor, seja por falta de oportunidade, seja por falta de auto-estima em mostrar-se bom e se sentir amado de volta, com medo do mesmo amor.
Eram dois lobos, perdidos e perambulantes, à procura do que não poderiam ter. E nem manter. Ela não conhecia tanto o lobo que a devorava tão suavemente, mas era dependente dele. Ele conhecia seu lobo e lidava bem com ele, mas quase sempre se machucava em batalha. Ele acreditava nas pessoas, um idealista do bem comum, no lobo bom que se digladia com o lobo ruim, deixava seu lado mau sempre adormecido pro sofrimento alheio e alimentava o lobo bom, deixando pro lobo ruim apenas a auto-flagelação sua de cada dia.
Ela, numa mistura de vaidade (queria sempre, mesmo que por pouco tempo, se sentir bem, despertar um homem pra si mesma é sempre bom e alimenta o lobo bom, mesmo que por apenas vaidade), e então vivia de se alimentar dessa situação pra se sentir bonita, atraente, mulher desejada. Ela queria se jogar ao abismo das paixões, mas sempre lhe faltava a coragem de fechar o olhos e dar o passo adiante: isso implicava em matar aos poucos o lobo ruim. Abria a primeira camada, mas trancava as outras mais internas, porque lá dentro dessas camadas dela se refugiava, o seu lobo ruim estava à espreita pra devorar tudo e tomar o controle. Ergueu muros, eletrificou cercas, cercou o lobo, e assim não permite a domador nenhum encará-lo. Mesmo que um bravo domador apareça, seus dispositivos automáticos, as armadilhas armadas pelo lobo do lado de fora estarão sempre prontas.
Ele se ressentiu ao perceber isso, tentou se vitimizar como era de sua índole, mas acordou. Hoje sabe que podia ter feito a diferença, mas ela também o sabe e não se permite pensar assim. Pra se esconder. Pra alimentar o lobo ruim. Ele, se tranqüiliza. Ela quebrou o seu orgulho, machucou a alma dele. Mas nas cicatrizes dele, que já são tantas, nele que já morreu tantas vezes e não desistiu de viver por isso. Mais um baque, mais uma ferida, no meio de tantas, não farão tanta diferença. Mesmo sabendo que ela não quis tentar o que sempre esperou de alguém: ser entendido e compreendido. Ele, tão louco, tão diferente, mais uma vez, julgado como igual, nivelado por baixo. E dessas feridas sempre soube cuidar.
Era ela um tesouro. Um diamante. E como todo diamante, escondido na terra, na lama, precisava ser escalavrada, era preciso abrir a terra, se sujar, se ferir, se rasgar pra rasgar o chão, ele estava disposto a isso. Até porque, mesmo que pra ele soasse normal e pros outros arrogância, se sentia como ela. Ele poderia ser um tesouro pra ela ou pra qualquer outra que se dispusesse aos aparatos de escavação. Mas o processo é longo e difícil, e ambos, cansados de tantas guerras e lutas pela sobrevivência, hoje empunham suas bandeiras brancas. E fogem da batalha. E ambos os lobos ruins se deliciarão com a covardia de cada um. Afinal, sofrimento novo é iguaria fina. 


15/11/2011
15:41

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